sábado, 30 de janeiro de 2010

Aberto ou Encoberto, Público ou Privado, Físico ou Mental: afinal, o que é comportamento?

Antes de mais nada, é importante entender o conceito de comportamento no Behaviorismo Radical.
Depois de anos de influências cartesianas, ainda trazemos uma concepção arraigada de que nosso eu se divide em físico e mental. A Psicologia, de uma maneira geral, tem-se fundamentado nessa ideia. O corpo, no modelo tradicional de homem, é visto praticamente como uma marionete comandada por uma mente - que seria tal e qual um pequeno homenzinho dentro do próprio homem, ditando ordens e dominando as ações. Os comportamentos seriam simplesmente sintomas de causas subjacentes que se encontrariam na mente do indivíduo, devendo aí se concentrar a investigação dos problemas psicológicos. Deixar de lado um conceito assim tão fortemente estabelecido e amplamente difundido é, talvez, a tarefa mais complicada para um estudante de Psicologia que se depara com o Behaviorismo pela primeira vez.
A distinção entre físico e mental simplesmente não existe no Behaviorismo Radical. É importante lembrar que Skinner sofreu uma influência muito grande do físico austríaco Ernst Mach. Dessa influência resultou, por exemplo, a concepção de que todo evento que ocorre na natureza é físico. O pensamento é um evento físico. Sentimentos são eventos físicos. Há uma frase de Skinner que diz assim: "minha dor de dente é tão física quanto a minha máquina de escrever, embora não seja pública". Para ele, a mente é só uma criação humana, um conceito metafísico usado para explicar comportamentos de forma fictícia. Na física de Mach, as explicações só são possíveis enquanto descrições de relações entre eventos, nunca lançando mão de uma explicação metafísica.
Na concepção tradicional, comportamentos são somente as atividades observáveis do corpo, comandadas pela mente. Para Skinner, as atividades consideradas mentais como pensamentos, sentimentos e emoções são também comportamentos, tanto quanto ações como correr, lutar, dançar ou falar. O que distingue esses últimos exemplos de comportamentos dos primeiros é somente a quantidade de observadores que têm acesso a eles. Correr, por exemplo, é um evento público, já que é acessível a quantos observadores estiverem presentes no momento em que alguém estiver correndo. Os sentimentos, por outro lado, só são acessíveis a quem se comporta, sendo, portanto, um evento privado. Ninguém sabe o que eu estou sentindo ou pensando, a não ser que eu expresse de alguma maneira através de um outro comportamento acessível a outras pessoas.
Assim, correr, lutar, dançar, falar e tantos outros exemplos de ações que possam ter dois ou mais observadores, são chamados comportamentos abertos, porque são públicos. Pensamentos, sentimentos e emoções são chamados comportamentos encobertos, porque são privados, ocorrem sob a pele.
A princípio, isso é difícil de compreender. Nossa ideia de uma coisa "física" está relacionada a ser tangível, palpável, ou ser visível. Mas pense na corrente elétrica. Por mais não possamos visualizá-la, ela não deixa de ser um evento físico, cujos efeitos podem ser observados, por exemplo, quando acendemos a luz ou ligamos um aparelho na tomada.
Da mesma forma, mesmo que eu não possa observar um comportamento encoberto de outra pessoa, posso observar e descrever suas relações com o ambiente à sua volta.
Um exemplo que sempre usei em sala de aula é relacionado à música, outra área pela qual me interesso bastante. Às vezes, passo o dia inteiro com uma música na cabeça. Qual seria a diferença entre esse cantar "encoberto" e o cantar "aberto", quando o fazemos em voz alta? Claro que eu não aciono o aparelho vocal quando canto encobertamente, mas esse também é um comportamento de cantar. A diferença é que somente eu escuto quando estou cantando em meu mundo privado.
Um experimento científico demonstrou que tanto a chamada dor "física" quanto a chamada "emocional" ou "moral" acionam a mesma região do córtex cerebral. Ou seja, nosso cérebro não faz distinção entre físico e mental. Talvez isso seja mais uma evidência de que Skinner tinha razão.
Ele continuou a afirmar até à morte que não era possível fazer uma ciência da mente e que o objeto de estudo da Psicologia permaneceria sendo o comportamento humano. Ao romper com o dualismo corpo x mente, ampliando o conceito de comportamento, expandiu as possibilidades de pesquisa e atuação, incluindo os temas realmente relevantes na compreensão do ser humano.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

De Watson a Skinner

Dê-me uma dúzia de crianças saudáveis, bem formadas, e meu próprio mundo especificado para trazê-las, e eu garanto tomar qualquer uma aleatoriamente e treiná-la para se transformar em qualquer tipo de especialista que eu escolher - médico, advogado, artista, comerciante e até mesmo mendigo e ladrão, a despeito de seus talentos, inclinações, tendências, habilidades, vocações e raça de seus antepassados. Watson, J.B. Behaviorism, 1930, p. 82.

Vamos combinar que essa afirmação de Watson não ajudou a criar muita simpatia em relação ao Behaviorismo! Advogando um pouco em seu favor, penso que devemos considerar o contexto em que isso aconteceu. Watson era um pioneiro e, proclamando ideias tão diferentes das usuais, precisou ser um pouco radical para ser ouvido. OK. Muito radical. Mas devemos também considerar a empolgação de alguém vislumbrando as possibilidades de uma ciência do comportamento humano. Mesmo assim, é claro que essa apresentação do Behaviorismo foi um fiasco de marketing, cujos reflexos são sentidos até hoje.
Para piorar, muitas pessoas confundem as ideias "radicais" do Behaviorismo Metodológico de Watson com o Behaviorismo Radical de Skinner. Ainda mais pela escolha da palavra radical para compor o nome dessa Filosofia (Filosofia porque, segundo Skinner, "o Behaviorismo não é a ciência do comportamento humano, mas, sim, a filosofia dessa ciência". Skinner, B.F. Sobre o Behaviorismo, p. 7). Vejam que a palavra radical vem de raiz e, para Skinner, o comportamento é a raiz do estudo da Psicologia. É seu objeto de estudo por excelência. Esse é um ponto em que os dois concordam: não é a mente que deve ser estudada, mas sim o comportamento. Só que o conceito de comportamento de cada um é substancialmente diferente, como veremos em um próximo post em detalhes.
Watson acreditava que só seria possível fazer uma ciência do comportamento humano a partir de eventos observáveis. Assim, descartou qualquer estudo sobre tudo que era referido (e ainda é, por diversas abordagens) como mental: sentimentos, emoções, pensamentos. Skinner, por outro lado, considera que os eventos que ocorrem "sob a pele" são tão ou mais importantes do que aqueles passíveis de observação por diversas pessoas.
O tão falado paradigma S-R (estímulo-resposta) é pressuposto do Behaviorismo de Watson, não do Behaviorismo Radical de Skinner. O modelo mecanicista, a desconsideração das contribuições genéticas, enfim, grande parte das críticas, estão endereçadas à pessoa (ou à teoria) errada.
Veremos, a seguir, alguns dos principais pressupostos do Behaviorismo Radical.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A Psicologia além de Freud

Muitas pessoas pensam que Psicologia é sinônimo de Psicanálise, mas essa denominação se refere apenas a uma abordagem específica, criada por Sigmund Freud, um neurologista austríaco que deixou diversos seguidores. Muitos desses seguidores romperam com suas ideias originais e criaram suas próprias abordagens: Jung, Reich, Lacan, entre outros. Apesar de algumas divergências, essas linhas de Psicologia compartilham alguns pressupostos como, por exemplo, o determinismo psíquico. Em poucas palavras, compreendem que há uma mente por trás de um corpo que se comporta, e é ela a responsável por todo o dinamismo psíquico.
No final do século XIX e início do século XX, o avanço das ciências naturais foi surpreendente. Esse foi um período de grandes descobertas e inovações tecnológicas até então impensáveis. Alguns pesquisadores estavam insatisfeitos com as possibilidades em Psicologia. Como imprimir objetividade e cientificidade ao seu trabalho se o objeto de estudo era algo tão abstrato? Seria possível transpor os métodos das ciências naturais para o comportamento humano?
Enquanto isso, surgiam alguns estudos ressaltando a importância do papel da aprendizagem no comportamento animal. Ivan Pavlov, um fisiologista russo, realiza um experimento que lhe confere um prêmio Nobel: ele consegue condicionar um comportamento reflexo em um cão, associando uma campainha à apresentação de um pedaço de carne. Após o emparelhamento dos dois estímulos, o que era apenas um estímulo neutro (campainha), passa a ser suficiente para provocar salivação no cão, tornando-se um estímulo condicionado.
Essa descoberta viria a inspirar um psicólogo norte-americano, John B. Watson a publicar o chamado Manifesto Behaviorista, um artigo de 1913 intitulado Psychology as the Behaviorist views it. É nesse texto que a palavra “behaviorist” é utilizada pela primeira vez. Behavior, em inglês, significa comportamento. Behaviorista poderia ser traduzido como comportamentalista.
De acordo com Watson, esse era o objeto de estudo da Psicologia: o comportamento. A mente não era observável, mas o comportamento sim. E é aí que nasce o Behaviorismo Metodológico.